Curta
Interstellar: FAQ
O Curta & Meia explica todas as tuas dúvidas sobre o mais recente filme de Christopher Nolan: Interstellar.
Vêem-se imensos artigos, posts, postinhas e postões por toda a Internet acerca da mais recente obra prima de Nolan: Interstellar. Honestamente nenhum me satisfez completamente, ora porque lhes faltavam questões, ora porque levantavam questões falsas. Decidi portanto escrever as minhas próprias conclusões. Quem sou eu? Sou um entusiasta de ficção científica e física. Não sou novelista nem físico. Por um lado compreendo quem não compreende, mas por outro posso estar a cometer algumas imprecisões científicas. Segundo a minha formação me diz, não será nada de muito grave, com certeza. Este artigo contém SPOILERS. Portanto, se o leitor ainda não viu o filme, aconselho a fechar imediatamente esta janela e voltar mais tarde. Esta não é de certeza uma obra que o leitor quererá estragar desta forma. Vamos então dar início a esta FAQ, começando com as questões mais simples, apenas por uma questão de completude.
1. Porque não há som no espaço?
O som é uma onda mecânica, isto é, propaga-se através de matéria. O espaço é maioritariamente vácuo, sem matéria, o que impede o som de se propagar.
2. O que é um Wormhole?
Um Wormhole, ou formalmente conhecido por ponte de Einstein-Rosen, é essencialmente um atalho no espaço-tempo. Pode ser visto como um “túnel”, com as duas extremidades em espaço-tempos diferentes. Na teoria julga-se que nada impede este artefacto de existir, mas a sua existência não é confirmada e ainda meramente especulativa.
3. Porque passa o tempo de forma diferente em certas partes do filme?
De acordo com a teoria da relatividade geral de Einstein, em certas situações existe a dilatação do tempo. Simplificando, a dilatação do tempo é a diferença de duração entre dois eventos, medida por observadores que se movem entre si ou que se situam em campos gravíticos de diferente intensidade. A dilatação do tempo foi já comprovada empiricamente. Um relógio atómico na terra regista tempos ligeiramente superiores comparativamente a um relógio atómico numa aeronave que viaja a altas velocidades. Esta diferença foi prevista e comprovada correctamente pela teoria de Einstein. Da mesma forma, existe diferença nas medições de relógios atómicos colocados numa montanha e ao nível do mar, simplesmente porque existe variação na força gravítica. Os relógios sob uma força gravítica superior, registam tempos inferiores. Isto explica o facto de Cooper e a tripulação terem estado algumas horas no planeta de Miller, mas terem passado 23 anos na nave Endurance e na Terra. O planeta de Miller situava-se muito próximo do buraco negro Gargantua a ponto de ser abrangido pela sua força gravítica.
4. Então como sobreviveram no planeta Miller durante 23 anos?
No referencial de Cooper e tripulação, não se notou qualquer mudança. Pode-se dizer da mesma forma que tudo o resto acelera e que ele se manteve igual. Eles estiveram no planeta efectivamente apenas algumas horas e não 23 anos.
5. Afinal quem criou o Wormhole?
Quem criou o Wormhole e o Tesseract foram os próprios humanos, mas numa linha temporal diferente (ou num ponto diferente desta mesma linha temporal). Esta civilização possui um conhecimento muito mais avançado do que a que o filme retrata. Têm conhecimento para manipular a 5ª dimensão (pelo menos parcialmente). Fizeram-no para ajudar a humanidade desta linha temporal.
6. Cooper não deveria morrer ao entrar no Gargantua?
Em teoria sim. Não morreu porque os próprios humanos, numa linha temporal mais avançada, criaram o tal Tesseract dentro do Gargantua, salvando-o do efeito do mesmo.
7. Porque tem o Gargantua um aspecto tão estranho?
O Gargantua é um buraco negro. Este tipo de astro possui uma força gravítica tão grande, que nem a luz escapa, tal como já Einstein tinha previsto. Portanto, aquilo que vemos não é o buraco negro. O buraco negro não emite radiação visível (luz) que possa chegar aos nossos olhos e ser interpretada pelo nosso cérebro. O que vemos é exactamente a luz que passa pela vizinhança do buraco negro e é desviada da sua trajectória original. Sim, a gravidade desvia a trajectória da luz. Portanto, o que vemos é na realidade uma forma distorcida do que está atrás do buraco negro. E o que está atrás do Gargantua? O resto do anel luminoso. É por isso que ele aparenta ter dois anéis, mas na realidade são o mesmo. O que acontece é que a luz de trás consegue chegar-nos aos olhos devido ao desvio da trajectória da luz.
8. O que é um Tesseract?
Um Tesseract é para o cubo o que o cubo é para o quadrado. Essencialmente trata a 4ª dimensão como mais uma dimensão geométrica. Sabe-se no entanto que a 4ª dimensão não pode ser representada geometricamente. No contexto de Interstellar, a humanidade evoluída construiu este Tesseract para Cooper poder navegar e interagir na 4ª dimensão. O Tesseract materializa o tempo, e representa-o espacialmente, de forma a que um humano comum possa compreender. Este objecto permitiu que Cooper se deslocasse espacialmente e que isso representasse uma deslocação temporal. Isto é, ao navegar de uma estante para outra, na realidade estava a navegar para a mesma estante, mas para momentos diferentes.
9. Porque é que em vez de empurrar livros e mexer no relógio da filha não lhe escreveu uma carta, por exemplo?
Como se pôde ver, existem limites no tipo de interações que se pode usar através da 5ª/4ª dimensão. Especula-se que apenas as ondas gravíticas escapam para dimensões superiores, o que pode explicar o facto de interagirem fracamente. Claro que é discutível se seria possível codificar Morse através de ondas gravíticas. O importante é que estas limitações foram muito bem demonstradas. Ele não podia fazer o que quisesse. O Tesseract "convertia" movimentos (energia cinética) em ondas gravíticas, e isso deveria ter as suas limitações. Acho que a ideia essencial está bem presente.
10. Porque lhe enviou as coordenadas e depois apelou para ficar?
No início enviou as coordenadas para fazer com que os acontecimentos se pudessem repetir. Depois entrou em desespero e por momentos quase desistia de tudo. É aí que envia “STAY”. Mais tarde recupera a sanidade e percebe tudo. Aí codifica os dados quânticos no relógio que tinha dado à filha.
11. Como escapou Cooper?
A premissa da "civilização humana mais evoluída" também se aplica aqui. Criaram a saída do Tesseract para o Wormhole, onde sabiam que o viriam buscar.
12. Espera lá, como poderia haver um Wormhole se a única forma de a humanidade o criar é se Cooper entrasse no próprio Wormhole?
Este tipo de questões aparecem imenso por toda a Internet, e são talvez as mais importantes de todas. É necessário compreender isto para se compreender verdadeiramente o filme. Muita gente afirma haver um paradoxo em Interstellar com estas questões. Para quem ainda não compreendeu completamente o que está em causa, interrogo de outra forma: “Não tinha a humanidade que ser bem sucedida pelo menos uma vez antes de se poder ajudar a ela própria?”. Não. Esta “ilusão” acontece porque somos escravos da “flecha do tempo”. Nós interpretamos o tempo como uma linha, unidirecional. Numa linha espacial, compreendemos perfeitamente a noção de caminhar em frente ou para trás, ou até mesmo saltar um ou dois metros para a frente ou para trás. No tempo, tudo o que vai acontecer, já aconteceu. O passado e futuro são tão válidos como o presente. Imaginem um ser que vive na 4ª dimensão. Esse ser “olharia” para vocês e conseguiria “ver-vos” a nascer e a morrer em simultâneo, tal como eu consigo ver todos os pontos de um segmento de reta em simultâneo. O que aconteceu foi simplesmente que os pontos temporais se tocaram (através de forças gravíticas).
13. Não gostei muito dessa explicação. Existe outra?
Julgo ser esta a versão que Nolan e a sua equipa intencionaram transmitir. Acho o mais provável porque o filme dá ênfase à repetição dos eventos. A ordem que Murph interpreta os sinais do “fantasma” é a mesma que Cooper transmite no Tesseract, o aperto de mão durante o Wormhole, etc. Isto leva a pensar que existe apenas uma única linha temporal, e o tempo está todo pré-determinado. No entanto, existe mais uma possível explicação, que confesso ter sido a minha interpretação original. No contexto da 5ª dimensão, é possível existirem várias linhas temporais diferentes paralelas (ou bifurcadas). Poderia então existir uma linha paralela onde não ocorreu nenhum evento apocalíptico na Terra e a humanidade prosperou. Prosperou e evoluiu a ponto de dominar toda a sua “tridimensionalidade”, expandindo-se para vários planetas, em todos os cantos do universo. É sabido que é da natureza humana o “explorar”. Desde os nossos ancestrais símios, à época dos descobrimentos, à era espacial… Surgiria agora uma nova era. Uma era em que a humanidade (que domina já a 5ª dimensão), pretende expandir-se para novas linhas temporais para além da sua própria! Para isso ajuda esta humanidade (a nossa) retratada no filme, criando o Wormhole, Tesseract, etc. Certamente um ponto de vista mais rebuscado, mesmo até para um filme de Nolan, mas certamente não impossível.