Curta

Genesis

Miguel Andrade

Miguel Andrade

·2 min de leitura

O polémico Nacho Cerdà apresenta-nos Genesis, uma curta-metragem marcante, bizarra, mas também épica em todos os sentidos.

Falar de Nacho Cerdá quase significa também falar de toda a polémica envolvida com a sua curta-metragem anterior, Aftermath. Temas como a mutilação, sexo e necrofilia, aliados à forma chocante como foi apresentada e à ausência de díalogos, gerou uma enorme onda de controvérsia na comunicação social. Posso seguramente dizer que dificilmente tenha visto algo tão horrendo e brilhante em simultâneo. No entando, Genesis (1998), apesar de alguma bizarria ser ainda evidente, tem uma abordagem bastante mais clássica e bela. A curta-metragem começa com a recordação dos momentos vividos por um escultor (personagem principal, interpretada por Pep Tosar) com a sua mulher. Após a morte da sua esposa, a personagem vive um trauma e esculpe uma estátua em sua memória. É de realçar o excelente papel do actor que, mesmo sem diálogos, demonstra a sua expressão carregada de uma tristeza pesada e mórbida. Durante este processo, a estátua começa a sangrar pelas suas fendas. Um milagre aos olhos do escultor, um momento de júbilo. No entanto, este nota que está a acontecer em si o processo inverso: a sua pele torna-se seca e repleta de argila. Nacho Cerdà sugere que uma espécie de “transferência” de vida esteja a acontecer, e aqui surge o início trágico do climax da curta-metragem. Finaliza com a sua mulher renascendo, enquanto ele próprio assiste através do seu único olho direito ainda não petrificado. De notar os planos fantásticos e a ausência de diálogo que forçam o espectador a focar em todos os detalhes. É uma curta extremamente visual, mas também musical. A seleção da banda sonora foi perfeita e crucial para criar o ambiente que Cerdà pretendia. Nunca é demais ouvir a “Sonata ao Luar” de Beethoven. Esta curta não fica por aqui. Muitos podem já ter ouvido uma história semelhante. Para quem conhece, é clara uma relação quase direta com o mito grego de Pigmaleão. Esta grande obra de arte garantiu a Nacho Cerdà o prémio de melhor curta-metragem de ficção em 1999 nos 13º Goya Awards. Pertence também à sua “Trilogia da Morte”, juntamente com o já referido Aftermath e The Awakening.

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